Quadrado Imperfeito

31.3.03

Vou começar a falar da guerra usando... CORA RÓNAI!

Cora Rónai é escritora e colunista do jornal "O Globo". E das boas. Tem um ótimo estilo de escrita, que torna deliciosa a leitura de seus textos, por mais que os assuntos sejam tristes, espinhosos ou azedos. Ela inicialmente ganhou a minha simpatia pelo seu amor por gatos (que pode ser atestado, entre outras coisas, em seu blog) . Porém, a cada dia ela me surpreende com sua visão de mundo, com sua capacidade de estar antenada e de falar/escrever sobre todos os assuntos. A pergunta, por exemplo, que ela nos faz hoje, no final de sua coluna é: "Será que a CNN realmente acredita que está conseguindo enganar alguém?"

Cora Rónai não se engana! E faço minhas as palavras dela na coluna de semana passada que, com a devida autorização, reproduzo aqui na íntegra, por acreditar que exprime não apenas as impressões dela sobre essa guerra estúpida... exprime a minha opinião, meu sentimento e, acredito, de várias outras pessoas!

Com vocês, Cora Rónai:

"A marcha da insensatez

Pronto: cá estamos nós, mais uma vez reféns da nossa própria estupidez, imperfeitos que somos, incapazes de tirar da História as lições mais elementares; cá estamos nós, mais uma vez empenhados em nos matarmos uns aos outros e em cultivar o ódio como se fosse uma flor rara, porque, em última instância, é ele que justifica a barbárie.

Digo “nós”, naturalmente, como coletivo planetário, como bípedes inviáveis que somos, incapazes de enxergar um palmo diante do nariz; mas é claro que quero dizer “eles”, pondo nisso uma indisfarçável carga de ressentimento. Provando, portanto, que pertencemos de fato à mesma espécie.

Dick Cheney, Condoleeza Rice, John Ashcroft, Colin Powell, Saddam Hussein, Donald Rumsfeld — todos são seres humanos, como qualquer um de nós. Até George W. Bush, dizem, é humano. Como Michael Jackson, ou Fernandinho Beira-Mar.

Deprimente? Bota deprimente nisso! Sei que a esses exemplos se poderiam facilmente contrapor outros tantos do que a espécie tem de melhor: Bach nos redimiu, e ainda vai redimir, por muitos e muitos séculos, como Shakespeare, Giotto ou Fernando Pessoa. Mas, neste específico momento do tempo registrado, só encontro motivos para ter uma profunda e inerradicável vergonha de ser humana.

***

Independente do resultado “oficial”, os americanos já perderam a guerra. Podem acabar com o Iraque, reduzir Bagdá, Níneve e Samarra a cinzas, liquidar Saddam Hussein, sua família, amigos e animais de estimação, varrer a população civil do mapa e, de lambuja, trazer Bin Laden vestido de odalisca e preso por uma coleira no pescoço para um tour amplamente televisado do Ground Zero; podem até ter um surto tardio de consciência e recolher todas as tropas do Golfo Pérsico — mas, a esta altura, nada do que façam ou deixem de fazer poderá alterar o resultado do placar.

Em apenas dois anos, como já observaram tantos comentaristas internacionais, George Bush e o cartel que representa conseguiram transformar a gigantesca onda de simpatia e solidariedade que se formou em torno dos EUA logo após o atentado numa tsunami de antiamericanismo de proporções nunca vistas.

Conseguiram também transformar uma imprensa antes forte, independente e admirável numa massa tão amorfa e subserviente que Art Spiegelman, o melhor desenhista da “The New Yorker”, ainda uma das melhores revistas americanas, não agüentou o clima e pediu o boné, depois de dez anos de magníficos serviços prestados. Diretamente, aliás, à própria mulher, a diretora de arte Françoise Moulay — que permanece a bordo como, diz, “uma espécie de refém”.

Resultado? O americano médio está, hoje, mais alienado e desvinculado do resto do mundo do que jamais esteve. Ele não tem idéia de como o resto da Humanidade vê o seu país e os seus governantes e não se sente mais seguro em lugar algum do planeta — exceto, talvez, no porão de casa. Onde, com seu consentimento, é vigiado dia e noite pelo governo, enquanto maldiz a Rússia, muda o nome das batatinhas e joga fora o champanhe que ainda poderia lhe trazer um pouco de alegria.

***

A verdade é que nem só em sangue e construções demolidas se contam as derrotas. Será preciso muito tempo, muita paciência e muita diplomacia para romper o medo, o isolamento e a insegurança em que vivem os Estados Unidos de Bush.

***

Isso não significa, logicamente, que se viva melhor no Iraque de Saddam Hussein — ou, de resto, em qualquer país do mundo árabe, pelo contrário. Mas que derrota se pode inflingir a quem já está derrotado? A miséria não é boa conselheira; as condições de vida da população iraquiana são tão precárias que qualquer carga extra de desgraça que se lhe lance por cima pode ter conseqüências imprevisíveis. Não há poder igual ao de quem não tem nada a perder, nem loja de louças tão delicada quanto a explosiva região que está na mira de Bush. É uma ironia do acaso que o animal que representa seu partido seja um elefante".

(Cora Rónai, Jornal "O Globo", 24/03/2003)

Postado por:Andreh
Hora:5:52 PM
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28.3.03

Eu tenho que falar da guerra! Eu sinto que essa é minha tarefa, por vários e vários motivos (interesse pessoal, coletivo, profissional etc.)... Até porque o "bucha" do BUsh, além de desrespeitar a vontade mundial, quer atribuir à ONU um papel menor, com o título de "ajuda humanitária"...

Mas eu ainda não consigo me desvincular do Oscar!!! Por que eu sempre tenho que ficar indignado todos os anos? Quando eu finalmente começo a acreditar que a Academia está "amadurecendo" em suas escolhas (isso descontando-se a "pisada de bola" que representou a não-indicação de "Cidade de Deus"), eles vão lá e escolhem errado e anunciam para cerca de um bilhão de pessoas (pelo menos as que estavam acordadas) que O EMINEM GANHOU UM OSCAR! Que pecado! Num ano em que a disputa envolvia músicas muito, mas muito boas mesmo, a música "Loose yourself" do rapper destoava do conjunto. Não que eu tenha algo contra a música, mas qualquer uma das outras candidatas merecia MUITO MAIS! Acho que até as música dos patinhos da Xuxa merecia mais...

No mais, a festa foi quase a mesma de sempre. Apresentada por Steve Martin, a opção menos incorreta e mais diplomática que Whoopi Goldberg e Billy Cristal em tempos de guerra, tudo transcorreu sem problemas... exceto pelos discursos sobre a guerra! Aliás, só eram problemáticos os discursos dependendo do ponto de vista... No meu ponto de vista, por exemplo, os discursos oficiais foram muito patéticos! Porém, me surpreenderam alguns discursos claramente anti-guerra, sobretudo os não oficiais!

E Catherine Zeta-Jones, mesmo E-N-O-R-M-E, estava linda e merecia cada grama de seu Oscar. Na verdade, acho que foi um dos mais merecidos!

No fim salvaram-se todos... exceto "Gangues de Nova York", que amargou derrota atrás de derrota e não levou nem um nem meio prêmio pra casa. Talvez porque o filme mostre, emblematicamente, que o Império Estadunidense foi construído em cima de tanta podridão, sangue, suor, lágrimas e imoralidade. Mas, ninguém precisa assistir ao filme pra perceber o quão ridículos são os norte-americanos: basta assistir, em qualquer canal de TV, a essa guerra estúpida, mal-justificada ou mesmo injustificada.

Postado por:Andreh
Hora:12:49 AM
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13.3.03

EU VI O CRIME...

O mundo pode estar explodindo em guerras, fome, miséria e corrupção, mas um dos maiores mega-eventos do ano vai se realizar independente de qualquer preocupação... Aliás, nas próximas três semanas (ou mais) a grande preocupação vai ser ele mesmo: o OSCAR! Não importa Saddam Hussein, Tony Blair, George W. "Bucha", Rosinha, Garotinho, Silveirinha e Beira-Mar. Nem mesmo importa a fome na Eritréia! Ou a sua unha quebrada! Todas as atenções estarão voltadas para o Oscar...

Nesse ano eu fiz uma promessa a mim mesmo que iria assistir muitos filmes bons mas que, também, iria assistir a muitos filmes "oscarizáveis" (não que sejam categorias mutuamente excludentes, mas, por via das dúvidas, é melhor não arriscar). E depois que passamos aquele aperto pra NÃO sermos indicados pelo excelente "Cidade de Deus", eu me senti na obrigação de ver os filme e tentar entender a razão da maldita academia não ter indicado o filme brasileiro (antes, eu achava que a culpa era da Marisa Tomei e seus hormônios tresloucados pelo Gael Garcia Bernal).

Comecei a maratona com "Fale com Ela", mais um espetáculo cinematográfico com o pedigree de Pedro Almodóvar. O filme é maravilhoso, mexe com muitos sentimentos (dos bons aos maus) e é conduzido com a maestria soberba de Almodóvar. Porém esse é um dos casos em que a indicação em si já é um prêmio.

Depois de enrolar por mais de um mês, consegui ver "Senhor dos Anéis - As Duas Torres". O filme é bom, mas é menos empolgante que o primeiro. De atuações marcantes, Elijah Wood, sir Ian McKellen e o Andy Sirkis, que dá um show a parte como o Gollum, fazendo transparecer o seu bom trabalho de ator por meio de uma criatura digital. Deve levar alguns prêmios técnicos.

Um espetáculo histórico é como podemos definir "Gangues de Nova York". Não foi à toa que Martin Scorcese esperou quase 30 anos para executá-lo. O filme foi conduzido com maestria, mostrando a história não apenas a construção a ferro e a fogo de uma das grandes metrópolis mundiais, mas também de cosntrução de códigos sociais, de condutas e de valores. Em termos de violência, nada deixa a desejar ao nosso "Cidade de Deus", com a diferença de que este último é mais simpático e divertido. Mas os elementos de crítica estão todos lá. O diretor conseguiu arrancar do elenco atuações impressionantes, tanto dos protagonistas (com um destque imenso para Daniel Day-Lewis) quanto dos coadjuvantes (como o sempre competente John C. Reilly e a grata surpresa de Henry Thomas - o eterno garoto Elliot de "E.T."). A grande injustiça do Oscar foi não ter reconhecido o valor das atuações de Cameron Diaz e Leonardo DiCaprio, que não foram indicados.

Aliás, DiCaprio sofreu um injustiça dupla com sua não-indicação por "Prenda-me se for capaz". Injustiça com DiCaprio, porque poucos saberiam encarar como ele o desafia de dar vida ao Frank Abagnale Jr., protagonista da história verídica. Injustiça com Tom Hanks, insuperável em qualquer papel. Injustiça com o filme, maravilhosamente bem feito. A injustiça só foi parcialmente corrigida pelas indicações de trilha sonora (muito boa mesmo) e do talentoso Christopher Walken como ator coadjuvante. Mas, creio eu, que esse é outro daqueles casos em que o grande prêmio é a própria indicação. Vale destacar a pequena, porém notável, participação da estonteante Jennifer Garner (a Elektra de "Demolidor o Homem Sem Medo") como uma modelo-decadente-pilantrinha-ex-capa-de-revista-adolescente que se mete com "o cara errado".

Falando em pilantras e infames, "Chicago" é um prato cheio, merecendo todas as 13 indicações que recebeu. A transposição da peça da Broadway para a telona foi muito bem feita. "Chicago" pega carona no sucesso do musical "Moulin Rouge" (outro injustiçado, porém, do ano passado). Porém, as semelhanças páram aí, pois se engana redondamente quem pensa que "Chicago" é uma história romântica. Trata-se de uma obra que discute a fama (como obter, como manter, sua efemeridade), a manipulação da imprensa e pela imprensa, entre vários temas espinhosos. O filme é feito pra brilhar a Roxie Hart de Reneé Zellweger. Porém, a "coadjuvante" Catherine Zeta-Jones rouba as atenções, pois sua Velma Kelly é magnética, sua presença na tela é hipnótica. Impressiona também o Billy Flynn do (esforçado) Richard Gere. A grata surpresa do filme é a presença da cantora norte-americana Queen Latiffah, também indicada ao Oscar como coajuvante. Vale lembrar que Queen Latiffah foi a única negra a ser indicada a um Oscar esse ano. Isso me cheira a prêmio de consolação...

Falando em roubar cenas, ninguém é melhor ladra de cenas que Meryl Streep. E é o que ela faz melhor em "Adaptação". Seu desempenho como Susan Orlean é impressionante. A história é ótima, o roteiro é bem amarrado e te faz dar ótimas risadas sem ter que recorrer aos pastelões clássicos. Nicolas Cage também está ótimo como o atormentado - "old, fat, bold" - e confuso Charlie Kauffman (e como seu irmão gêmeo, Donald), numa atuação merecedora de prêmios. Porém, quem consegue mesmo roubar para si o filme é Chris Cooper, com seu encantador, misterioso e divertido John Laroche. A personagem de Chris chega a ser folclórica, e é tão bem construída que quase posso apostar nele para o Oscar de coadjuvante, não fosse por Michael Caine e ...

... Ed Harris! Esse é outro que consegue ser mais ladrão de cenas que a própria rainha do crime, Meryl Streep, com quem contracena em "As Horas". O filme é especialmente tocante, denso. O diretor Stephen Daldry, como em seu "Billy Elliot", emociona sem ser piegas. E Ed Harris, em suas poucas cenas, consegue passar uma verdade tão profunda em sua interpretação que não há como não ficar transtornado. A história gira em torno do "cotidiano" de três mulheres, em diferentes décadas, todas relacionadas de alguma forma com o livro "Mrs. Dalloway" da escritora (feminista, lésbica e maluca) Virginia Woolf, interpretada com maestria por Nicole Kidman no que talvez seja o mais difícil papel de sua vida: o de mulher feia. Ela está tão feia que chega a aumentar a dor de sua personagem... Uma participação interessante no filme é a de Allison Janney (da série de TV "The West Wing"). Poucas que transmite com segurança a resignação e o estranho carinho/carisma de sua Sally no filme. Num filme calçado em talentos como Meryl Streep, Ed Harris e Nicole Kidman, pode-se pensar até que não há lugar pra mais ninguém brilhar. Mas Julianne Moore consegue essa façanha louvável, sobretudo porque a sua Laura Brown é uma personagem diferente das mulheres exuberantes e/ou diferentes que costuma interpretar. Emocionam especialmente duas cenas: a sua "despedida" do filho e a cena em que trava um duelo de titãs com a incrível Toni Colette (que, por mim, deveria ser indicada ao Oscar todos os anos, mesmo quando não estivesse em nenhum filme).

Além de arrancar uma indicação como atriz coadjuvante por "As Horas", Julianne Moore leva também a indicação de melhor atriz por "Distante do Paraíso", do excelente Todd Haynes (de "Velvet Goldmine"). Infelizmente, além de uma dupla indicação me cheirar a prêmio de consolação, não pude conferir o talento de Julianne Moore porque esse filme só foi exibido no Rio por uma ou diuas semanas... Além do mais, há outros indicados que nem estrearam ainda, como "As confissões de Schmidt", que valeu indicações ao eficiente Jack Nicholson (ator) e à sempre maravilhosa Kathy Bates (atriz coadjuvante), ou ainda "Frida", que conseguiu deixar a indicada Salma Hayek (atriz) mais feia que a própria Frida Khalo. Não pude conferir o desempenho de Diane Lane em "Infidelidade" porque não acho o filme nas locadoras (e, convenhamos, ela é o azarão da disputa).

Há ainda outros filmes que, no momento, são impossíveis de se ver. É o caso de "O Pianista", de Roman Polanski, cujas filas para assisti-lo são tão grandes quanto o próprio filme. E, além do mais, é preciso ter disposição pra agüentar um filme longo sobre o quase batido tema do holocausto. Espero que traga novos enfoques... Assim, quando as filas diminuírem (e o meu sono - abandonado no carnaval - estiver regularizado), eu tento assistir, afinal, é do Roman Polanski e tem o eficiente e emocionante Adrian Brody (indicado ao Oscar de melhor ator).

Ah, já ia me esquecendo do mais importante... Eu vi o crime... "O crime do Padre Amaro". O filme é realmente muito bonito, muito bem feito, bem dirigido. O ritmo é naturalmente lento, já que é uma história de Eça de Queiroz transportada para a nossa época. As atuações de Gael Garcia Bernal e Ana Claudia Talancon são emocionantes. A minha grande queixa do filme é que não faz jus à crítica que Eça de Queiroz impôs em sua obra. O filme enfoca mesmo a história de amor entre o Padre Amaro e a devota Amélia e seu posterior crime e nisso se esgota. Poderia ter aproveitado muito mais o envolvimento da Igreja tanto com o tráfico de drogas(através do Padre Benito) quanto com os guerrilheiros no campo do México (através do padre Natario). Mas, apesar disso, é um filme muito bom.

Porém não tem o mesmo apelo que o nosso "Cidade de Deus". Não é por ser brasileiro, mas acho que "Cidade de Deus" merecia mais a indicação como representante da América Latina, pois toca mais profundamente em temas espinhosos, sem, no entanto, ser estupidamente pesado ou tocar em violência gratuita. Mas, deixa pra próxima...

Outra coisa: eu acho que o Prêmio Framboesa de pior ator de 2003 deveria ter indicado George Bush e Tony Blair. Algum dos dois ganharia com certeza! Eles acham que eles convencem alguém? Até o Steven Segall atua menos pior...

Postado por:Andreh
Hora:5:09 PM
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